Personagens Não Humanos em Mundos Fantásticos para Leitores Jovens

Por Gê, aquela que acredita que o único limite para criar personagens em fantasia é a sua imaginação (e talvez um pouco de bom senso!).

Quando se trata de literatura fantástica, os personagens não humanos são uma parte fundamental do encanto que esses mundos oferecem. De elfos a dragões, de robôs a entidades sobrenaturais, esses seres são mais do que meras adições exóticas ao elenco; eles muitas vezes representam aspectos essenciais da trama, temas e do próprio universo criado. Mas como dar vida a esses personagens de forma que eles sejam tão profundos e cativantes quanto os humanos? Vamos explorar!

A Importância dos Personagens Não Humanos em Fantasia

Ampliando os Limites da Imaginação

Os personagens não humanos permitem que os escritores rompam as barreiras do que é possível na vida real, explorando ideias, comportamentos e culturas que vão além da experiência humana. Eles oferecem uma oportunidade para o autor criar algo verdadeiramente único, que pode desafiar as expectativas do leitor e oferecer novas perspectivas.

  • Criando o Inusitado:
    • Seres de Outras Dimensões: Pense em criaturas como Cthulhu de H.P. Lovecraft, que desafiam a compreensão humana e introduzem o leitor a terrores que não se encaixam na lógica do nosso mundo. Outro exemplo é o Demogorgon de Stranger Things, cuja origem e existência perturbam a compreensão humana.
    • Formas de Vida Alternativas: Imagine um ser feito de pura energia, como os Wraiths de Stargate Atlantis, ou os seres de silício do planeta Janus VI em Star Trek, que se comunicam através de padrões térmicos e têm uma visão do tempo e da vida totalmente diferentes da nossa.
    • Criaturas Mitológicas Modernizadas: Veja o caso dos Dementadores de Harry Potter, que são versões contemporâneas dos espectros e demônios presentes em várias culturas, e dos Elementais de The Witcher, que misturam aspectos da natureza com a consciência e poder.

Representando o Outro

Personagens não humanos frequentemente são usados para representar o “outro” – aquilo que é desconhecido, estranho ou alienígena ao ser humano. Eles podem refletir aspectos da natureza humana, explorar temas de preconceito e aceitação, ou desafiar a moralidade e a ética humanas.

  • Explorando Temas Profundos:
    • Moralidade Alienígena: Um personagem não humano pode seguir um código moral completamente diferente do humano, como os Marcianos de A Guerra dos Mundos de H.G. Wells, cuja indiferença à vida humana levanta questões sobre imperialismo. Outro exemplo é o dos Borgs de Star Trek, que assimilam outras espécies sem qualquer consideração pela individualidade. Já os Anjos da série Supernatural são seres de luz e poder, mas com uma moralidade fria e muitas vezes cruel.
    • Preconceito e Inclusão: Raças fantásticas, como os elfos e os orcs em O Senhor dos Anéis, muitas vezes espelham as questões de racismo e preconceito da vida real. Os Mutantes de X-Men também são um exemplo clássico, representando minorias que enfrentam medo e discriminação. Além disso, os Drows (elfos negros) de Forgotten Realms vivem em uma sociedade matriarcal sombria, frequentemente marginalizados por sua própria espécie.
    • Identidade e Cultura: Seres como os replicantes de Blade Runner lutam com questões de identidade e humanidade, questionando o que realmente significa ser humano. O mesmo acontece com os Cylons de Battlestar Galactica, que buscam definir sua própria existência e destino, além de se rebelarem contra seus criadores.

Desenvolvendo Personagens Não Humanos

Criando uma Biologia Única

Ao escrever personagens não humanos, é importante considerar como sua biologia única pode influenciar suas ações, pensamentos e comportamentos. Isso inclui aspectos como sua fisiologia, habilidades especiais, longevidade, e também a forma como esses fatores moldam suas interações com o mundo ao redor.

  • Elementos a Considerar:
    • Forma Física: A aparência de um personagem não humano deve ser mais do que apenas estética; deve refletir suas habilidades e limitações. Smaug, o dragão de O Hobbit, tem um corpo enorme e poderoso que o torna uma ameaça aterrorizante. Já os Ents de O Senhor dos Anéis possuem corpos semelhantes a árvores, que os fazem ser lentos, mas quase imortais. Outro exemplo são os Górgonas da mitologia grega, cuja aparência aterrorizante é tão letal que pode transformar quem os olha em pedra.
    • Sentidos Diferenciados: Personagens como os Vampiros de Entrevista com o Vampiro, que têm sentidos aguçados e imortalidade, experimentam o mundo de forma intensa e às vezes dolorosa. Os Na’vi de Avatar possuem uma conexão biológica direta com a natureza de Pandora através de suas tranças neurais. E os Kelpianos de Star Trek: Discovery, com seus ganglios sensíveis ao perigo, vivem em um estado constante de alerta e medo.
    • Ciclo de Vida: Os elfos em O Senhor dos Anéis são imortais e, portanto, têm uma visão do tempo e da vida muito diferente dos humanos. Os Time Lords de Doctor Who têm a capacidade de se regenerar, o que lhes confere uma perspectiva única sobre a morte e a sobrevivência. Já os Eternos da Marvel, que não envelhecem e não morrem, enfrentam a eternidade de maneiras que refletem a fadiga e o desapego.

Criando uma Psicologia Distinta

A mente de um personagem não humano não precisa (e muitas vezes não deve) funcionar da mesma forma que a de um humano. Isso abre portas para explorar diferentes tipos de inteligência, emoções e motivações.

  • Psicologia Alienígena:
    • Moralidade e Ética: Os Vulcanos de Star Trek suprimem suas emoções em favor da lógica, criando uma sociedade onde a razão é a única guia para a ação. Já os Daleks, também de Doctor Who, não têm qualquer empatia ou compaixão, sendo guiados apenas pelo ódio e pela sobrevivência da sua própria espécie. Outra perspectiva interessante é a dos Yautja, os Predadores de Predator, cuja ética de caça e honra é central em sua cultura, mas brutalmente diferente da humana.
    • Emoções e Reações: Considere como os Asari de Mass Effect, que vivem por séculos e se reproduzem através de uma fusão mental com outras espécies, experimentam amor, perda e identidade. Os Elfos Negros de Thor: O Mundo Sombrio veem o universo como algo que deve ser revertido ao caos, uma visão moldada por eras de isolamento e desespero. Os Demônios de Supernatural veem a tortura e a manipulação como formas naturais de interação, refletindo suas próprias jornadas de corrupção.
    • Memória e Experiência: Os Andróides de Blade Runner têm memórias implantadas, o que os leva a questionar sua própria identidade e humanidade. Os Draxos de Guardiões da Galáxia são literalistas ao extremo, o que cria tanto humor quanto uma profundidade trágica em sua visão de mundo. Os Ferengi de Star Trek vivem em uma sociedade guiada pelo lucro, moldando suas interações com uma moralidade que vê o comércio como a única forma válida de relacionamento.

Criando Culturas e Sociedades Não Humanas

Desenvolvimento Cultural e Social

Assim como os humanos, os personagens não humanos terão suas próprias culturas, religiões, sistemas de governo e tradições. Criar essas culturas de forma detalhada e coerente é essencial para dar autenticidade aos seus personagens.

  • Aspectos Culturais:
    • Rituais e Tradições: Os Na’vi de Avatar realizam rituais que os conectam profundamente com a natureza e seus ancestrais através da Árvore das Almas. Os Klingons de Star Trek têm um forte código de honra e rituais de batalha que permeiam todos os aspectos de sua cultura. Em Duna, os Fremen têm rituais que giram em torno da preservação de água, um recurso precioso em seu mundo desértico.
    • Hierarquia e Estrutura Social: A sociedade Matriarcal dos Drows em Forgotten Realms é liderada por sacerdotisas de Lolth, onde o poder e a traição andam lado a lado. Em The Witcher, os Scoia’tael (Esquilos) são uma facção rebelde composta por elfos e anões que lutam contra a opressão humana, refletindo as tensões raciais e sociais. Os Andorians de Star Trek têm uma sociedade guerreira, mas também valorizam fortemente a lealdade e o sacrifício por sua espécie.
    • Relação com o Meio Ambiente: Os Ents de O Senhor dos Anéis são protetores das florestas e têm uma relação simbiótica com o meio ambiente. Os Zergs de Starcraft são uma raça de insetos que agem como uma única mente coletiva, evoluindo rapidamente para adaptar-se a qualquer ameaça. Já os Wookies de Star Wars vivem em harmonia com as árvores gigantes de Kashyyyk, construindo suas casas nos altos galhos e respeitando profundamente a natureza.

Idiomas e Comunicação

A forma como seus personagens não humanos se comunicam pode ser uma maneira poderosa de destacar sua alteridade. Idiomas únicos, formas de expressão e até mesmo a ausência de comunicação verbal podem enriquecer a caracterização.

  • Explorando a Comunicação:
    • Linguagem Verbal: A língua élfica em O Senhor dos Anéis, criada por J.R.R. Tolkien, é rica em história e cultura, refletindo a longevidade e a sabedoria dos elfos. O Dothraki de Game of Thrones foi criado para refletir a cultura guerreira e nômade dos Dothraki. E a língua Na’vi de Avatar não só define a comunicação, mas também a visão de mundo de uma espécie que vive em estreita harmonia com seu planeta.
    • Comunicação Não Verbal: Os Vulcanos de Star Trek usam a saudação “Vida longa e próspera “, mas também praticam o toque mental, uma forma de comunicação profunda e íntima. Os Zergs de Starcraft se comunicam telepaticamente, uma capacidade que lhes permite agir como um enxame coordenado. Os Wraiths de Stargate Atlantis se comunicam através de uma rede mental compartilhada, permitindo que eles ataquem em perfeita coordenação.
    • Expressão Alternativa: Em A Mão Esquerda da Escuridão de Ursula K. Le Guin, a raça Getheniana não possui um gênero fixo, o que influencia não apenas a sua sociedade, mas também a sua forma de se expressar e relacionar. Os Yautja de Predator têm um código de honra que é comunicado através de troféus e rituais de caça, ao invés de palavras. Os Autobots de Transformers usam suas transformações não apenas para combate, mas como uma forma de se comunicar e adaptar ao ambiente.

Diferenciando Personagens Não Humanos de Humanos

Evitando Estereótipos Humanos

É fácil cair na armadilha de tratar personagens não humanos como humanos disfarçados, com apenas algumas características exóticas. Para evitar isso, considere como sua biologia, cultura e história influenciam seus comportamentos e atitudes.

  • Evite Clichês:
    • Mais do que Humanos com Pele Diferente: Orcs e Elfos não devem ser apenas humanos com orelhas pontudas ou pele verde. Dê-lhes traços culturais, crenças e valores únicos. Os Asari de Mass Effect, por exemplo, vivem por milênios e sua cultura reflete essa longevidade. Os Twi’leks de Star Wars são mais do que dançarinas e criminosos, com uma rica cultura e história de resistência. Os Tok’ra de Stargate SG-1 são simbiontes que vivem em harmonia com seus hospedeiros, diferindo radicalmente dos Goa’uld, que escravizam seus hospedeiros.
    • Biologia Influente: Considere como a biologia de seu personagem influencia sua sociedade. Os Aracnids de Tropas Estelares têm uma sociedade de colmeia onde a sobrevivência do grupo é mais importante do que a individualidade. Os Vulcanos em Star Trek desenvolveram sua cultura de supressão emocional como uma resposta a um passado de violência desenfreada. E os Elcor de Mass Effect, que se movem lentamente e são extremamente ponderados, possuem uma linguagem verbal que inclui expressões emocionais para compensar a falta de expressividade física.
    • Cultura Estrangeira: Em vez de basear uma cultura não humana em estereótipos culturais humanos, crie algo novo e autêntico. Os Dothraki de Game of Thrones são baseados em culturas nômades, mas sua obsessão com cavalos e batalhas os distingue de qualquer grupo humano real. Os Kree de Capitã Marvel têm uma sociedade militarizada com uma rígida hierarquia, mas com uma moralidade que difere bastante da nossa. E os Protoss de Starcraft, com seu forte senso de honra e devoção à sua raça, mostram como uma cultura alienígena pode ser inspirada em ideias familiares, mas ainda assim ser única.

Padrões de Pensamento e Expressão

Personagens não humanos não precisam apenas falar de forma diferente; sua maneira de pensar e expressar ideias também pode divergir radicalmente da humana. Isso inclui como eles percebem e processam informações, tomam decisões e expressam suas emoções.

  • Padrões Cognitivos:
    • Pensamento Linear vs. Não Linear: Alguns seres podem não pensar de maneira linear, mas em padrões ou ciclos, como os Tralfamadorianos de Matadouro 5 de Kurt Vonnegut, que veem o tempo de forma simultânea. Os Oods de Doctor Who, que têm uma mente coletiva e podem perceber eventos simultâneos em diferentes tempos e lugares, também ilustram essa complexidade. Outro exemplo é a espécie dos Aliens de Prometheus, cujas motivações e estrutura social permanecem enigmáticas e aparentemente não seguem uma lógica humana.
    • Emoções e Empatia: Como personagens não humanos experimentam emoções? Os Observadores de Fringe reprimem suas emoções em favor de uma lógica fria e distante, o que os torna enigmáticos e muitas vezes incompreensíveis. Os Elfos Negros de Thor vêem o universo como algo a ser revertido ao caos, refletindo uma visão que transcende a moralidade humana. Já os Q de Star Trek são seres onipotentes que, apesar de todo seu poder, mostram um comportamento infantil e caprichoso, desafiante para a compreensão humana.
    • Percepção do Tempo: Personagens como os Q de Star Trek, que podem manipular o tempo e o espaço, têm uma percepção da realidade totalmente diferente da humana. Os Antigos de Stargate SG-1, que transcenderam a existência física e vivem em uma forma de energia pura, têm uma visão de tempo e espaço que vai além da nossa compreensão linear. E os Observadores de Fringe podem ver todas as linhas do tempo simultaneamente, o que influencia profundamente suas decisões e comportamento.

Conclusão

Escrever personagens não humanos em literatura fantástica é um exercício de criatividade e empatia. É a oportunidade de explorar ideias e temas que seriam impossíveis com personagens humanos, adicionando camadas de profundidade ao seu mundo e à sua história. Ao considerar cuidadosamente a biologia, psicologia, cultura e comunicação de seus personagens não humanos, você pode criar seres que são tão complexos e memoráveis quanto qualquer protagonista humano.

Então, prepare sua imaginação, afie sua pena, e vá em frente: crie criaturas e seres que irão capturar a imaginação dos seus leitores e transportá-los para mundos além da compreensão humana. Afinal, na fantasia, o impossível é apenas o começo!